Conectar-se ou desconectar-se, eis a questão

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Em meio a tempos pandêmicos, é notável a importância do mundo virtual para a interação entre as pessoas e para a disseminação de informações. Embora essa relevância também fosse clara quando a pandemia não era uma realidade, o atual período intensificou a conectividade e a influência da virtualidade no cotidiano, dado o tão necessário distanciamento social. Lives, redes sociais, videochamadas, cursos e jogos online, dentre outras alternativas digitais e remotas, nunca foram tão usufruídas como no tempo atual.

Não se pode invalidar o quão relevante tais alternativas têm sido para o panorama da atualidade e é legítimo que as usemos, de modo a não nos isolarmos completamente. Todavia, precisamos despertar reflexões e não perder do nosso campo de visão qual o sentido que temos atribuído a esses recursos e a maneira como os utilizamos.

Tanto adolescentes/jovens como adultos têm cada vez mais desfrutado da conectividade como método de interação e informação, no entanto a amplitude de possibilidades existentes, juntamente com a facilidade do acesso, os fazem viver cada vez mais nesta lógica, sem perceber excessos e danos que isso pode acarretar.

Como exemplo, estudos* revelam que o tempo excessivo conectado a redes sociais – em especial entre adolescentes/jovens – pode afetar demasiadamente sua saúde mental, que podem incluir casos de depressão, ansiedade e transtornos alimentares. Isso se deve, dentre tantas possibilidades, ao fato de que no mundo virtual comumente veem-se reforçadores narcísicos, de padrões de beleza, de consumo, de status, os quais potencializam o sentimento de inferioridade, competitividade, comparação, insegurança e solidão.    

Aliado a isso, há o fato de que as informações e comunicação tendem a ser mais objetivas, dinâmicas, instantâneas, o que gera o sentimento e necessidade de que tudo seja mais rápido, intenso e imediato, produzindo maior sentimento de “urgência”, de pressa, de insegurança.

 Bauman, sociólogo polonês, em suas obras “Modernidade Líquida” e “Amor Líquido”, nos descreve sobre as características do mundo contemporâneo e suas relações, que incluem tempos e relacionamentos mais fluidos (líquidos), que se dissolvem-se com mais facilidade, sendo mais dinâmicos e sem forma definida, ou seja, nada é feito para durar, para persistir, para ser “sólido”. As relações por serem cada vez mais “flexíveis” acabam por gerar mais insegurança e – por muitas vezes priorizarmos os relacionamentos “em redes”, que podem ser “desmanchados” com mais facilidade e que frequentemente acaba por não envolver contato além do virtual – produz dificuldades na manutenção de laços fortalecidos e de longo prazo. 

O mundo virtual traz à tona essa visão de Bauman. Nos parece que a realidade através desse meio torna-se mais fácil de ser vivida em detrimento das vivências concretas do dia a dia. Porém, implicitamente (ou será explícito?) pode trazer consequências e prejuízos emocionais paulatinos.

Nessa perspectiva, é necessário lembrar que o cotidiano concreto e sólido, sem influências digitais, é fundamental para que nos percebamos enquanto sujeitos, e para que fortaleçamos laços coletivos de cuidado e cooperação. Ainda que as redes sociais e demais recursos auxiliem, não podem ser um fim em si mesmos e nos impedir de vivenciar momentos reais e concretos da vida, agregados a suas lutas e seus desafios diários, que acabam nos amadurecendo e nos formando como seres humanos.

É importante que uma autoanálise ocorra: quanto tempo permaneço conectado? Estou exagerando? Tenho comparado minha vida com àquela que julgo (ou parece) ser melhor que a minha? Minha qualidade de vida tem sido prejudicada pelos sentimentos despertados quando estou em interação com esse meio? Diante da pandemia, consigo realizar atividades ou simplesmente exercitar essa possibilidade (dentro do possível) além do mundo virtual? É difícil demais para mim pensar nessas atividades e efetivá-las?

Caso seja constatada uma considerável influência negativa desses recursos, sempre é tempo para que mudanças ocorram e para que busquemos o equilíbrio em nossas ações por meio de pequenas mudanças de hábito (como redução e controle do uso), do conhecimento sobre si e, muitas vezes, da necessidade de apoio e ajuda de outras pessoas e profissionais caso esteja imerso e dependente dos meios digitais.  

Que possamos nos “desconectar” em muitos momentos, na perspectiva de valorizarmos o presente e o cotidiano; e que nosso “conectar” seja utilizado como um complemento para a melhoria da interação e comunicação, e não como um recurso substitutivo das reais e essenciais vivências.

Referências:

Royal Society For Public Health. Instagram ranked worst for young people’s mental health. Disponível em: https://www.rsph.org.uk/about-us/news/instagram-ranked-worst-for-young-people-s-mental-health.html 

BAUMAN, Z. Amor Líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. RJ: Zahar, 2004.

BAUMAN, Z. Modernidada Líquida. RJ: Zahar, 2001.

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